Aprovada já em 20 de Janeiro de 2016, a Directiva sobre a distribuição de seguros (Directiva (UE) 2016/97, do Parlamento Europeu e do Conselho) viu o seu prazo de transposição, que inicialmente terminava a 23 de Fevereiro passado, alargado para o próximo dia 1 de Julho de 2018 (Directiva (UE) 2018/411, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Março de 2018).
Apesar de se pretender uma maior uniformização do nível de protecção dado aos clientes de seguros no espaço europeu (Considerando 10), face ao que resultava do quadro normativo anterior, a Directiva ficou-se pela harmonização mínima (Considerandos 3 e 52). Tal contenção é compensada pela criação de um patamar mínimo de protecção relativamente elevado, materializado na previsão de deveres de conduta de vária índole, e na sua regulação com certa densidade e exigência.
Os destinatários dos deveres de conduta são, antes de mais, os distribuidores de seguros. O sentido básico da regulação é o de conferir idêntica protecção ao cliente, independentemente do canal de distribuição utilizado. Assim, o eixo do conceito de distribuição está na actividade levada a cabo, e não na qualidade do sujeito que a exerce. A actividade de distribuição é definida de um modo amplo, consistindo em prestar aconselhamento, propor ou praticar outros actos preparatórios da celebração de contratos de seguro ou resseguro, em celebrar esses contratos ou em apoiar a gestão e a execução desses contratos, em especial em caso de sinistro; e abrange agora a actividade desenvolvida através de sites de comparação de preços, desde que possa dar lugar à celebração de um contrato (art. 2.º, n.º 1, 1) e 2)). Por sua vez, o conceito de distribuidor inclui tanto mediadores de seguros e de resseguros, como os mediadores a título acessório e as empresas de seguros (art. 2.º, n.º 1, 8)).
Supera-se, pois, os quadros que vinham da Directiva anterior, ao incluir na categoria-chave de distribuidor os próprios seguradores ou resseguradores, e ao retirar importância à distinção entre mediadores de seguros ligados a um segurador e mediadores não ligados (Considerando 16).
Os distribuidores de seguros devem pautar-se por um elevado nível de profissionalismo, competência (exigindo-se a formação e desenvolvimento profissional contínuos) e integridade (art. 10.º).
Em termos gerais, a sua actividade deve ser exercida “de forma honesta, correta e profissional, em conformidade com os melhores interesses dos seus clientes” (art. 17.º, n.º 1). Este princípio geral tem uma refracção importante nas regras que visam prevenir a ocorrência de “conflitos de interesses”, e que vedam práticas remuneratórias que possam criar incentivos a uma actuação desconforme (art. 17.º, n.º 3), e impõem vários deveres de informação no sentido de tornar transparente o contexto de interesses que rodeia a actuação do distribuidor (art. 19.º). As regras que obrigam à informação sobre vendas associadas de produtos, ou que proíbem em certos casos que se subordine a venda de um produto à aquisição de outro (art. 24.º), estão ainda ligadas a este conjunto.
O grande destaque vai, porém, para as normas que visam combater a venda de produtos desadequados ao cliente (“misselling”). Nesta matéria, exige-se ao distribuidor mais do que o mero cumprimento de deveres de informação: a este cabe um papel pró-activo de “aferir das exigências e necessidades do cliente e seleccionar e propor um produto adequado a elas”. Caso seja prestado “aconselhamento” antes da venda de um produto de seguros, deve ainda ser fornecida uma “recomendação personalizada” na qual se explique a razão pela qual um determinado produto se afigura mais adequado às exigências e às necessidades do cliente em matéria de seguros (art. 20.º, n.º 1). Em qualquer caso, devem ainda ser prestada ao cliente informações objetivas sobre o produto de seguros, de forma compreensível e que lhe permita tomar uma decisão informada. Esta prestação de informações baseia-se nos documentos de informação estandardizados que referiremos abaixo.
Os deveres de conduta previstos dirigem-se, por outro lado, “aos sujeitos que concebam os produtos de seguros”, e que serão, tendencialmente, os seguradores, podendo, em certas jurisdições, esse papel caber também a mediadores. Trata-se aqui de deveres de supervisão e governação de produtos (art. 25.º; cfr. ainda o Regulamento delegado (UE) 2017/2358 da Comissão, de 21 de Setembro de 2017), bem como de deveres de elaboração de documentos de informação normalizada, que facilitem a compreensão da informação pelos clientes (art. 20.º, n.ºs 7, 8 e 9). Quando esteja em causa um produto não-vida, releva o documento de informação sobre produtos de seguros, cujo regime é concretizado pelo Regulamento de execução (UE) 2017/1469 da Comissão, de 11 de Agosto de 2017.
O estatuto geral é complementado por requisitos adicionais (Cap. VI), quando esteja em causa um produto de investimento com base em seguros. As regras sobre a prestação de informação estandardizada são aqui fixadas pelo Regulamento sobre documentos de informação fundamental para produtos de investimento com base em seguros (Regulamento (UE) n.º 1286/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Novembro de 2014).
O incumprimento das normas é vigiado pela possibilidade de imposição de sanções administrativas ou, na medida em que os Estados membros as prevejam, penais (art. 31.º). Prevê-se também a publicação das decisões de sancionamento, para potenciar o seu efeito dissuasivo (“naming and shaming”; art. 32.º).
Deste quadro, resulta clara a convergência entre as regras de distribuição de seguros e as regras sobre distribuição de produtos financeiros, havendo regulação de sentido idêntico, por exemplo, em matéria de adequação do produto, estandardização da informação prestada ou “product governance”. As normas vigentes em matéria seguradora são, porém, consideravelmente menos densas do que as que valem em sede de mercados de capitais. Tal torna-as mais flexíveis, bem como substancialmente mais transparentes – aspectos que se espera que não sejam comprometidos em evoluções futuras…
Dra. Maria Inês Viana de Oliveira Martins, Universidad de Coimbra.
Apesar de se pretender uma maior uniformização do nível de protecção dado aos clientes de seguros no espaço europeu (Considerando 10), face ao que resultava do quadro normativo anterior, a Directiva ficou-se pela harmonização mínima (Considerandos 3 e 52). Tal contenção é compensada pela criação de um patamar mínimo de protecção relativamente elevado, materializado na previsão de deveres de conduta de vária índole, e na sua regulação com certa densidade e exigência.
Os destinatários dos deveres de conduta são, antes de mais, os distribuidores de seguros. O sentido básico da regulação é o de conferir idêntica protecção ao cliente, independentemente do canal de distribuição utilizado. Assim, o eixo do conceito de distribuição está na actividade levada a cabo, e não na qualidade do sujeito que a exerce. A actividade de distribuição é definida de um modo amplo, consistindo em prestar aconselhamento, propor ou praticar outros actos preparatórios da celebração de contratos de seguro ou resseguro, em celebrar esses contratos ou em apoiar a gestão e a execução desses contratos, em especial em caso de sinistro; e abrange agora a actividade desenvolvida através de sites de comparação de preços, desde que possa dar lugar à celebração de um contrato (art. 2.º, n.º 1, 1) e 2)). Por sua vez, o conceito de distribuidor inclui tanto mediadores de seguros e de resseguros, como os mediadores a título acessório e as empresas de seguros (art. 2.º, n.º 1, 8)).
Supera-se, pois, os quadros que vinham da Directiva anterior, ao incluir na categoria-chave de distribuidor os próprios seguradores ou resseguradores, e ao retirar importância à distinção entre mediadores de seguros ligados a um segurador e mediadores não ligados (Considerando 16).
Os distribuidores de seguros devem pautar-se por um elevado nível de profissionalismo, competência (exigindo-se a formação e desenvolvimento profissional contínuos) e integridade (art. 10.º).
Em termos gerais, a sua actividade deve ser exercida “de forma honesta, correta e profissional, em conformidade com os melhores interesses dos seus clientes” (art. 17.º, n.º 1). Este princípio geral tem uma refracção importante nas regras que visam prevenir a ocorrência de “conflitos de interesses”, e que vedam práticas remuneratórias que possam criar incentivos a uma actuação desconforme (art. 17.º, n.º 3), e impõem vários deveres de informação no sentido de tornar transparente o contexto de interesses que rodeia a actuação do distribuidor (art. 19.º). As regras que obrigam à informação sobre vendas associadas de produtos, ou que proíbem em certos casos que se subordine a venda de um produto à aquisição de outro (art. 24.º), estão ainda ligadas a este conjunto.
O grande destaque vai, porém, para as normas que visam combater a venda de produtos desadequados ao cliente (“misselling”). Nesta matéria, exige-se ao distribuidor mais do que o mero cumprimento de deveres de informação: a este cabe um papel pró-activo de “aferir das exigências e necessidades do cliente e seleccionar e propor um produto adequado a elas”. Caso seja prestado “aconselhamento” antes da venda de um produto de seguros, deve ainda ser fornecida uma “recomendação personalizada” na qual se explique a razão pela qual um determinado produto se afigura mais adequado às exigências e às necessidades do cliente em matéria de seguros (art. 20.º, n.º 1). Em qualquer caso, devem ainda ser prestada ao cliente informações objetivas sobre o produto de seguros, de forma compreensível e que lhe permita tomar uma decisão informada. Esta prestação de informações baseia-se nos documentos de informação estandardizados que referiremos abaixo.
Os deveres de conduta previstos dirigem-se, por outro lado, “aos sujeitos que concebam os produtos de seguros”, e que serão, tendencialmente, os seguradores, podendo, em certas jurisdições, esse papel caber também a mediadores. Trata-se aqui de deveres de supervisão e governação de produtos (art. 25.º; cfr. ainda o Regulamento delegado (UE) 2017/2358 da Comissão, de 21 de Setembro de 2017), bem como de deveres de elaboração de documentos de informação normalizada, que facilitem a compreensão da informação pelos clientes (art. 20.º, n.ºs 7, 8 e 9). Quando esteja em causa um produto não-vida, releva o documento de informação sobre produtos de seguros, cujo regime é concretizado pelo Regulamento de execução (UE) 2017/1469 da Comissão, de 11 de Agosto de 2017.
O estatuto geral é complementado por requisitos adicionais (Cap. VI), quando esteja em causa um produto de investimento com base em seguros. As regras sobre a prestação de informação estandardizada são aqui fixadas pelo Regulamento sobre documentos de informação fundamental para produtos de investimento com base em seguros (Regulamento (UE) n.º 1286/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Novembro de 2014).
O incumprimento das normas é vigiado pela possibilidade de imposição de sanções administrativas ou, na medida em que os Estados membros as prevejam, penais (art. 31.º). Prevê-se também a publicação das decisões de sancionamento, para potenciar o seu efeito dissuasivo (“naming and shaming”; art. 32.º).
Deste quadro, resulta clara a convergência entre as regras de distribuição de seguros e as regras sobre distribuição de produtos financeiros, havendo regulação de sentido idêntico, por exemplo, em matéria de adequação do produto, estandardização da informação prestada ou “product governance”. As normas vigentes em matéria seguradora são, porém, consideravelmente menos densas do que as que valem em sede de mercados de capitais. Tal torna-as mais flexíveis, bem como substancialmente mais transparentes – aspectos que se espera que não sejam comprometidos em evoluções futuras…
Dra. Maria Inês Viana de Oliveira Martins, Universidad de Coimbra.